Partilhamos este Estudo no âmbito das Ciências Sociais, sobre a relação entre a prática de corrida de rua e a conformação de identidades, no âmbito de uma abordagem sociocultural das práticas desportivas, onde fazemos a ponte com os grupos de corrida de rua e ciclismo. Cada vez mais nas ruas, as pessoas aderem a modalidades desportivas configuradas em grupos, particularmente na corrida e ciclismo. Compreendendo os grupos como instituição, este estudo propõe-se a dar conta de como se institucionaliza cada um dos grupos. Independentemente, de alguns dos grupos se terem tornado associações, grémios ou mesmo clubes de pequena dimensão, ou mantendo o seu carácter totalmente informal.

Deverá centrar a atenção na maneira como a formação, o desenvolvimento e o funcionamento dos grupos participam da construção de identidade do grupo, e da identidade de seus membros. Elias (1994) enfatiza que a sociedade produz o semelhante e o típico, mas também o individual, e lembra que:
«O que é moldado pela sociedade também molda, por sua vez: é a auto-regulação do indivíduo em relação aos outros que estabelece à auto-regulação destes. Dito em poucas palavras, o indivíduo é, ao mesmo tempo, moeda e matriz. [...] Até o membro mais fraco da sociedade tem sua parcela na cunhagem e na limitação de outros membros, por menor que seja.» (Elias, 1994, p.52).
Na concepção de Shutz (1979) o sentimento de pertença a um determinado grupo e o de suas consequências sociais constituem uma dimensão importante na construção da identidade.
Desporto: superação do corpo, "superação de sí"
Ideias de perseverança, esforço, obstinação, estratégias de medidas e cálculos vão dando forma a um comportamento associado às práticas desportivas.

Como Vigarello aponta, através da determinação se obtém o sucesso que leva o praticante a tornar-se “alguém”. Transformar a fraqueza em força está relacionado a uma melhor capacidade de resistir às dificuldades da vida. Vemos assim que o sentido do desporto alcança uma dimensão moral da existência, acompanhando o aumento da obstinação pelo treino planeado. Lembrando ainda que a relação prática desportiva e ascensão social se aproxima nesse período, embebida no princípio do século 20, na ideia de “trabalhar sobre si mesmo para progredir na vida”.
Sobre grupos e o processo de se tornar membro
De acordo com Goffman (2003), pertencer a um grupo não é um processo acabado. Para compreender melhor este aspecto, seria interessante prestar atenção na ideia desenvolvida pelo autor de que a compreensão do vínculo social está intimamente relacionada a seus limites:
Os vínculos que unem o indivíduo a entidades sociais de diferentes tipos apresentam propriedades comuns.
A participação do indivíduo na entidade – uma ideologia, uma nação, um ofício, uma pessoa ou mesmo uma conversa – terá alguns aspectos comuns.
Sentirá obrigações: algumas serão duras, pois incluem alternativas obrigatórias, trabalho a ser realizado, serviço a ser cumprido, tempo ou dinheiro gastos; outras serão mais suaves, pois exigem que sinta participação e ligação emocional. Portanto, a participação numa entidade social impõe compromisso e adesão (Goofman, 2003, p.147-148).
Goofman, 2003, p.152). Quando diz o que deve fazer e porque deve desejar fazer isso, a organização presumivelmente diz tudo o que o participante pode ser. Mas Goofman (2003, p 153-154) não deixa esquecer que, quando uma instituição oficialmente oferece incentivos externos e abertamente admite ter um direito limitado à lealdade, ao tempo e ao espírito do participante, se este aceita isso – o que quer que faça com seu prémio e independentemente do fato de admitir que seus interesses pessoais não se identificam com os da instituição - tacitamente aceita uma interpretação de sua identidade.
O envolvimento por muito tempo com um grupo é um movimento que implica um gasto de tempo e energia significativos na perseguição dos objetivos desse grupo. Dedicação supõe motivação duradoura, e crenças firmes quanto ao lugar a que se pertence - isto é, ao que se é. “[...] todo compromisso de longa duração significa uma aquiescência ao sacrifício, por mais fraco que possa ser o compromisso” (STRAUSS, 1999, p.58).
As redes sociais antecedem o treino e duram para além do treino
Os dados coletados neste estudo através da observação do grupo do whatsaap mostraram que os objectivos destas pessoas são:
- melhorar mesmo a performance,
- ter companhia
- sentimento de pertença
Pelo que podemos observar existe uma hiper-valorização que vai para além do treino, visto que as pessoas que pertencem a estes grupos despendem muito tempo nas plataformas whatsapp e Facebook a organizarem e a trocarem impressões sobre a actividade desportiva. Portanto, o treino e o grupo passam a ser o centro da vida destas pessoas. Entre treinos e provas organizadas é em presença e sobretudo virtualmente que estas pessoas dedicam a maior parte do seu tempo livre das obrigações profissionais e familiares. A actividade desportiva e social edifica o próprio individuo definindo e consolidando a sua identidade e sentido de pertença ao grupo, levando-o ao desinteresse por outras dimensões da vida, ou por outros grupos e indivíduos que não partilhem os mesmos valores.
(Informação verbal, 2016)